...Do verbo inesquecer


Já havia dito por aqui que tenho um enorme medo das coisas que me parecem ser inesquecíveis. Se bem que o verbo inesquecer superestima a condição humana. Quem eu penso que sou 'pra dizer que aquilo será inesquecível? Um ser humano (Ó). E justamente por isso que tenho a petulância de reafirmar o que havia dito no início desse texto. Mas vou voltar ao centro: inesquecer é algo muito forte. É afirmar contundentemente que aquilo fará parte da tua história; que a vida definitivamente não será mais a mesma a partir daquele dia. E que dia foi ontem! Ah, ontem foi o aniversário da Carla Natasha, ora. Um almoço. Mas queria, eu, poder ter escolhido o que nesse dia poderia ser inesquecível. E foi por isso que infelizmente o aniversário foi um mero coadjuvante.
Não, eu não fui assaltado, não fugi de casa, não bati na minha mãe. Eu vi, com toda exatidão, um homem sendo esfaqueado. Melhor: sendo muito esfaqueado. E isso talvez será uma das coisa mais inesquecíveis das que já tinha dito ser inesquecíveis. O fato de o homem depois sair andando pelo meio da rodovia ensanguentado ou que quem o esfaqueou foi um garoto não é o que mais me deixa angustiado.
O que quero dizer é: não foi aquela cena que deixou o dia inesquecível. Inesquecível mesmo foi experimentar um sentimento ruim. Foi ver alguém sendo furado por facas e ter ficado ali, assistindo com uma cara de horror. E cada um que estava ali, na parada da Rodovia Augusto Montenegro em frente ao Clube dos Advogados, poderia fazer algo. Mas não. Ficamos lá. A menos de quinze metros do local onde o homem muito provavelmente iria morrer.
O poder que nós tínhamos de fazer algo simplesmente desapareceu, porque pensávamos em nós. Não tão claramente preferimos ao homem continuar sendo esfaqueado; ficamos mais perplexos porque aquilo poderia ter sido conosco do que por ter visto um rio de sangue sair daquele homem; ficamos muito mais assustados pelo fato de o garoto, talvez, se voltar contra nós do que chorar pelo sofrimento alheio. Ressalto: pensamos, instintivamente, em nós. Fomos egoístas sem haver nenhuma outra opção. Eu experimentei como é pensar somente em si mesmo não querendo. E foi isso, nada de facas e sangue, que me fez inesquecer de ontem.
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